“CONSEGUI A FELICIDADE DA EXPRESSÃO” – ANTÓNIO LOBO ANTUNES
“A felicidade da expressão” é o que António Lobo Antunes sente ter conseguido na escrita de Que Cavalos São Aqueles Que Fazem Sombra No Mar?, já nas livrarias.
O autor considera-o “o livro tecnicamente mais perfeito” que fez e mostra-se preocupado com o próximo, cujo primeiro esboço está em cima da mesa de trabalho.
“Escrevê-lo foi muito agradável”, disse António Lobo Antunes em entrevista à Agência Lusa. “O que me dá prazer num livro é a felicidade da expressão. Por exemplo, quando o André Gide diz ‘Os extremos tocam-me’, esta frase dá-me uma imensa alegria.”
Este é, assim, “um livro muito alegre, por eu conseguir dizer exactamente aquilo que queria, sem que houvesse uma intervenção voluntária da minha parte. Era a mão que andava. Quando a mão está feliz, torna-se autónoma, e então questiona-me, questiona o mundo, questiona tudo.”
Que questões? “Toda a sorte de perguntas, as que me interessam mais. O problema é que nós não temos respostas, temos só perguntas, e quando encontramos as respostas Deus muda as perguntas. Toda a nossa vida é uma perpétua pergunta. Vamos de espanto em espanto.”
Estruturado como uma corrida de toiros, o livro parte de duas frases que “começaram a aparecer” na cabeça do escritor. A primeira, que dá o título ao livro, é de uma moda alentejana de Natal que Lobo Antunes ouviu a Vitorino e Janita Salomé. A segunda está na primeira obra do autor – Memória de Elefante – na voz de uma criança que acompanha a avó em visitas a velhas senhoras: “como esta casa deve ser triste às três horas da tarde.”
António Lobo Antunes sublinha que este é um livro sem história, onde as personagens são quase dispensáveis. “Quando muito, tem micro-histórias de uma linha ou duas, como disse Gonçalo M. Tavares quando apresentou o meu livro anterior. Não tem enredo, não tende para um fim definido. Da mesma maneira que uma sinfonia ou uma cantata não contam uma história.”
Nos primeiros romances que escreveu, Lobo Antunes contava histórias mas hoje já não lhe interessa fazê-lo. “Ninguém pode contar histórias melhor que o Simenon, o Steiner tem toda a razão quando diz isso. Atingiu-se uma perfeição de história.”
“Não se pode olhar para um livro destes”, diz Lobo Antunes apontando a estante onde tem os livros preferidos “um livro do Conrad ou do Gogol, como olha para uma história, para um romance no sentido clássico do termo. O Gogol chamou poema às Almas Mortas, e não é história nenhuma. Nos grandes escritores não há. O que é O Velho e o Mar? Um homem vai pescar um peixe, os outros peixes comem o peixe, ele chega a terra sem nada. O que é a Anna Karenina? Uma mulher casada que se aborrece, arranja um amante que é um homem sem valor moral nenhum, desgosta-se do amante, mata-se. Ele consegue fazer 600 páginas com isto. Não é a história aqui que está
Quanto às figuras do livro que Lobo Antunes acaba de publicar, não as considera personagens: “Não as vejo fisicamente, não sei como são, não há descrição física, não há nada. Usei os nomes mais para minha orientação, por minha vontade tinha eliminado todos os nomes próprios.”
“Nós temos a mania de entrar com mecanismos racionais naquilo que é anterior às palavras. Quando os livros são bons, falamos de emoções, impulsos, coisas que, por definição, são intraduzíveis
“O [Joseph] Conrad falava nisso: todos os livros são criações simbólicas. Os maus livros tendem para um significado definido, caminham numa determinada direcção, e o sentido está dentro do livro como uma noz. Num bom livro, o sentido está à volta do livro.”
“O que me vem mais à cabeça são coisas pequenas, à maior parte das quais eu nem sequer tinha prestado atenção. Nós somos como casas cheias de fantasmas, uns fantasmas pequeninos. Muitas vezes, quando começo a ouvir as vozes de escrever, ouço várias vozes ao mesmo tempo e aquela que me vai dar o livro nunca é a voz mais presente forte, mais intensa. São outras que estão escondidas por trás.”
“Quando estou a escrever, só penso na parte técnica”, diz Lobo Antunes. “Porque de emoções estou eu cheio, o meu problema é como é que as transformo
Que Cavalos São Aqueles Que Fazem Sombra No Mar? tem lançamento marcado para dia 22, às 18h30, no Jardim de Inverno do Teatro São Luiz,
(Lusa)